Oito anos atrás, a primeira edição da Revista Bicicleta ia às bancas com o clamor “Troque o carro pela bicicleta!”. Era um clamor ousado e moderno para a época, porque naquele momento haviam mídias compromissadas em tratar do tema, mas não com a universalidade com que a Revista Bicicleta o fez.
Este texto está sendo publicado, neste momento, na edição física da querida Revista Bicicleta alusiva à comemoração dos seus 8 anos de trajetória. Como o escrevi com todo o carinho, me dei o direito e o luxo de, aqui no Ciclotur Experience, traçar algumas reflexões que não estão presentes na matéria original, por motivos mais do que óbvios.
Esclareço, inicialmente, que o idealizador da Revista Bicicleta, o visionário catarinense Elcio Petris, não acumula diplomas de Comunicação Social, Publicidade ou outra disciplina, e ainda assim, foi capaz de conceber uma publicação que, ao mesmo tempo, fosse uma voz plural a promover todas as dimensões da bicicleta e ainda, como se não bastasse, dialogasse com as realidades nacionais de anseios pela mobilidade por bicicleta e lazer ativo culturalmente qualificado, porque não dizer, pelo Cicloturismo.
Lembro do afã em criar algo que ainda não houvesse no país, além de oferecer uma leitura muito mais literária do que meramente informativa, não queríamos, apenas, dar notícias. Ouso dizer que a Revista Bicicleta tem sido um veículo que aproxima os leitores do conhecimento compartilhado por inúmeros experts do universo da bicicleta. Ela tem buscado dialogar com as expectativas e necessidades de um consumidor cada dia mais volumoso, mais ávido por experiências com a bicicleta e, sem dúvida alguma, pleno de diversidade como deveria ser.
Atingir diversos públicos era o desafio imposto, indo de profissionais a amadores, do fabricante ao usuário, do lojista ao gestor público, do atleta de referência ao papai comprando uma bicicleta de equilíbrio para o futuro ciclista, enfim. Não havia fronteiras para dizer mais sobre a bicicleta, porque a bicicleta é sempre algo a mais. E assim, edição a edição, a Revista Bicicleta foi criando e contando uma história que atingiu, até hoje, milhões de brasileiros, sem nenhuma dúvida possível.
Era emocionante participar dos debates sobre pautas e temas de matérias, sobre a veracidade de um ou outro argumento, sobre qual capa atingiria ou superaria as expectativas dos leitores.
Destes oito anos da Revista Bicicleta, participei da equipe em 95% do tempo, e tive a oportunidade ímpar de trabalhar ao lado de profissionais como Anderson Schorner e Alex Serafini (mestres que deram cor, forma e profundidade à revista), além de ter a possibilidade de dialogar com os mais expressivos personagens da história da bicicleta no Brasil e, citá-los, seria uma imensa injustiça porque a matéria é tão breve e não caberiam todos e todas, aos milhares.
Vimos o movimento cidadão em torno da bicicleta e da mobilidade urbana sustentável tomar vulto com a consolidação de inúmeros coletivos que fazem parte ou não da nossa querida União de Ciclistas do Brasil – UCB; vimos e aplaudimos a Transporte Ativo dentro e fora do país escrevendo novas páginas e realizando, hoje, o futuro; presenciamos o Bike Anjo ganhar as praças pelo país; o Bike É Legal, da querida Renata Falzoni, dar outra cor e brilho a tudo o que ela e sua equipe realizam há tanto tempo; fomos testemunhas da proeminência do Pedala Manaus enquanto coletivo responsável por fóruns de altíssima qualidade, enfim, haveria tanto a dizer que daria um livro, e porque não?
A cada nova edição dava um frio na barriga e uma emoção sem igual por saber-me parte de algo tão especial. Várias foram as matérias polêmicas, outras, arrancaram risos dos leitores. Algumas de nossas matérias provocaram reflexões profundas, outras, foram parte daquele momento de diletantismo em meio ao caos, tão bem-vindo quanto necessário. Mostramos o mundo através dos materiais super especiais que foram enviados por correspondentes, por ciclistas e cicloturistas das mais diversas partes do planeta e com os mais variados propósitos.
Ousamos muito. Sim, porque a Revista Bicicleta foi a primeira revista do meio que falou sobre o universo das mulheres e suas bicicletas com seriedade, da mesma forma como foi a primeira publicação do meio que tratou o assunto paraciclismo de maneira digna. O nosso agradecimento a estes dois grupos pela sua coragem e, acima de tudo, pela confiança depositada em nosso trabalho.
Mostramos aos brasileiros, ciclistas ou não, lugares que eles jamais souberam, sequer, que existiam, entre “salares e desertos, montanhas e vulcões”, homenageando os amados Olinto e Rafaela Asprino, e tendo neles representados todos os cicloviajantes queridos pelo presente que são suas lindas histórias e imagens pelo mundo.
Denunciamos a insustentabilidade do sistema trânsito no Brasil, assim como a impropriedade de sentido quando empresários do setor, e de fora dele, banalizam a palavra sustentabilidade. Fomos além, criticando o uso da imagem feminina fetichizada como chamariz para vender mais nas feiras do setor, com a mesma veemência com que criticamos políticos que usaram a bicicleta e seu universo para promessas de campanha jamais cumpridas.
Trouxemos dicas de alimentação, suplementação e nutrição; pedimos a opinião de grandes mecânicos sobre detalhes da manutenção de bikes; fomos os primeiros no país a falar sobre semovência humana, bikefit, bikebox, bikelanes, ciclocidadania, cyclechic, enfim, entre tantos outros temas que chegaram aos leitores, primeiramente, através das nossas páginas.
Contamos as vitórias de grandes atletas e paratletas; falamos sobre as Olimpíadas e os Jogos Paralímpicos no país; expusemos a realidade de ciclistas deficientes visuais; demos destaque ao Dia Mundial Sem Carro. Falamos da história da bicicleta desde seus primórdios e ousamos falar sobre o seu futuro de uma maneira mais plural, que extrapola o objeto e vai ao encontro do devir, observando-a como mais do que um simples veículo, mas como um meio para transformar vidas. Falamos sobre as cidades e seu porvir, ainda que algumas insistam no sistema hegemônico automotor, adiando o inevitável colapso como se fosse possível outra lógica.
Nos emocionamos escrevendo sobre personagens únicos e seus feitos, com a mesma paixão com que nos despedimos de vários outros símbolos do ciclismo que já não estão mais entre nós. Foram páginas difíceis de escrever, mas este é o ônus e o bônus de fazer, apenas, o que se Ama.
Sabemos que nosso conteúdo foi responsável pela escolha definitiva de milhares de brasileiros pela bicicleta, pela transformação de algumas pequenas cidades escondidas no interior do país, pela mudança de determinadas empresas a favor do empregado-ciclista, ou seja, temos ciência de que auxiliamos na transformação positiva de espaços, conceitos e pessoas.
Ao aderir à bicicleta, somaram saúde pessoal e coletiva, sociabilidade, conservação ambiental, contribuindo com cidades mais humanizadas, porque não dizer, afinal, somos, cada um de nós, um carro a menos, não é verdade?
E ao escrever este resumo do que observo ter sido a contribuição da Revista Bicicleta para a história da bicicleta no Brasil, me reservo o direito de levar a público que esta fantástica publicação, com a qualidade de texto e imagens que sempre teve, com a diagramação impecável, enfim, com um conteúdo único no país, não era produzida por grandes editoras das metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro.
A Revista Bicicleta nasceu e foi produzida com muito orgulho e alegria dentro de uma garagem, numa cidadezinha do interior de Santa Catarina, com pouco mais de 6.500 habitantes, com poucos equipamentos, mas com muito Amor, até o dia de hoje.
E por ter sido feita com um Amor tão absoluto pela bicicleta caberia um outro texto, talvez, falando em como sonhos se convertem em realidade a fim de ajudar pessoas a terem uma vida mais saudável e momentos de imensa felicidade a bordo de uma bicicleta.
Valeria dizer, por fim, que cada um dos 8 anos da Revista Bicicleta foi dedicado a falar sobre esta encantadora relação, homem / bicicleta, que se resume, numa das mais belas histórias que poderíamos ter escolhido para contar.
Meu nome é Therbio Felipe, faço parte da equipe Ciclotur Experience / Lobi Cicloturismo. Juntos felicitamos a Revista Bicicleta pela passagem dos seus oito anos de brilho incomum.
Obrigado, Revista Bicicleta!
E viva a Bicicleta, sempre!
http://www.revistabicicleta.com.br