Um grupo muito animado de ciclistas de todas as idades brindou sua comunidade com uma presença alegre e positiva, afirmando assim que uma outra cidade é possível, não importam as objeções a respeito.
Mais do que um simples passeio ciclístico, o Dia Mundial Sem Carro 2018, em São Francisco de Paula – RS, Serra Gaúcha, foi uma realização em favor da humanização das cidades baseada na adoção prioritária pela bicicleta, não apenas no dia 22 de setembro, abertura da primavera, mas a partir dele.
Então, em outras palavras, foi um acontecimento voltado à valorização da vida na urbes e, principalmente, um momento de provocar reflexões sobre que cidade queremos ter.
A proposta estava fundamentada em uma ação socioeducativa que envolvesse poder público, iniciativa privada e comunidade, e que antes de qualquer coisa, se tratasse de uma oportunidade de educar pelo exemplo.
O Dia Mundial Sem Carro 2018 foi um momento oportunizado para repensar valores associados ao trânsito, mas principalmente, indicar uma série de atitudes que podem, seguramente, mudar a configuração da vida nas cidades para melhor.
Mais potente do que qualquer cartilha é o exemplo, e a comunidade de São Francisco de Paula demonstrou que compreendeu a maneira de fazer a diferença no cotidiano de sua cidade, valendo-se da bicicleta para além da mera concepção de veículo ou meio de transporte.
Bicicleta é saúde física e mental, mais que tudo, é saúde pública. Bicicleta é um lazer ativo individual e coletivo, uma forma de revisitar a cidade que ajudamos a construir e que, muitas vezes, nos exclui.
Uma maneira de valorizar o direito de ir e vir, indistintamente, e que todos possam usufruir dele.
Enfim, os benefícios plurais advindos da escolha pela bicicleta soam como os sorrisos percebidos no evento, a todo instante e em qualquer lugar, tanto daqueles que estavam a desfrutar da experiência diretamente, quanto daqueles que meramente observavam, distantes ainda da concretização de uma cidade para pessoas.
Quando nos expressamos assim queremos confirmar que a tomada de decisão por uma cidade mais humana, mais segura e portanto, melhor para todos, passa prioritariamente pela mudança de paradigma que, baseado no senso comum, ainda faz crer que o veículo automotor é imprescindível.
E estamos falando, sim, da adoção de transportes ativos, ou seja, aqueles que se valem da propulsão humana para levar seu usuário além das possibilidades.
Então, creiam, o Dia Mundial Sem Carro serve para confirmar que, no dia a dia, todos os transportes ativos são a forma mais inteligente de singrar a cidade, valendo o mesmo para o pedestre, para o skatista, o patinador, o moleque com o patinete, etc. Ou seja, os transportes ativos são o futuro batendo à sua porta, não há como negar, e se trata de um fenômeno de proporções mundiais e irreversíveis.
Estamos a mostrar que pensar a cidade para carros é o mesmo que querer, a todo custo, pensar o céu para peixes.
Parece tão simples, não é, porém, grande parte da população mais conservadora ainda resiste ao inevitável: a tomada das ruas pela bicicleta e pelos transportes ativos.
Uma cidade que não é boa para o cidadão também não o será para o turista.
Cabe o mesmo raciocínio para pensarmos que uma cidade que não é segura, bonita, cheirosa, atraente, enfim, para os seus moradores, estará cada dia mais longe de ser o mesmo para os visitantes.
Portanto, cabe ressaltar a urgente necessidade de salvaguardar vidas no sistema trânsito que somos todos nós.
Sim, todos nós somos o trânsito e se assim procedermos haverá um futuro mais gentil e para todos pelas ruas e calçadas, independente do tamanho da cidade ou complexidade viária.
Viu-se durante todo o evento as perspectivas que brotavam quando se percebia a cidade além das vidraças, dos roncos dos motores e da presença insidiosa, porque não dizer, violenta, do automóvel.
Uma cidade para todos há de ser uma cidade que contemple cada um.
São Chico (forma tão carinhosa de tratar uma cidade) está no mundo, está no mapa da mobilidade urbana do Rio Grande do Sul, está chamando a atenção de pessoas de todas as partes do Brasil, está sendo apresentada como um futuro destino cicloturístico, enfim, então, jamais poderíamos deixar de realizar algo deste quilate.
Alguns leitores (as) talvez possam vir a pensar: “um evento com, apenas, 50 pessoas, não é lá grande coisa”.
Pois, São Chico responde a esta negação afirmando que, sim, foi um evento de, não mais de 50 pessoas, mas serão estas 50 pessoas a mais no mundo que irão proteger vidas nas ruas (inclusive a sua que nos lê) e promover uma cidade voltada para o que há de mais humano em nós.
Se houver a menor possibilidade de que 1 destas 50 pessoas venha a ser um promotor da defesa da vida nesta cidade, então, pensando melhor, devemos considerar este um mega evento e dar-nos por imensamente satisfeitos.
Além dos adultos, sempre bem-vindos, o que mais chamou a atenção foram as crianças presentes, imbuídas de um ideal que os adultos ainda estão por aprender: que a vida é como andar de bicicleta, tem que pedalar para se manter em equilíbrio!
Elas esbanjaram engajamento e compromisso, encarando os 12km de algumas subidas com a alegria e a coragem que fazem das crianças um elo com um futuro melhor.
A todo o momento, do começo ao fim do evento, ouvimos os mais inesperados elogios, além das perguntas sobre quando serão os próximos.
Mas, entre tantas percepções, havia que escolher uma que contemplasse o olhar de fora para dentro, ou seja, a perspectiva calibrada de alguém que vive em uma das maiores cidades do mundo e que, voluntariamente, escolheu ir e voltar de casa para o trabalho usando, indistintamente, a bicicleta, o que fez dela, uma referência em São Paulo e no Brasil nos últimos anos.
Então, vamos deixar que Vanessa Bressane nos conte por que motivos este evento foi tão importante:
“Para uma paulista de 38 anos de idade ser convidada para conduzir um pedal ao lado de Ivan Mendes, no dia Mundial Sem Carro, na cidade de São Francisco de Paula – RS, com pouco mais de 20.000 habitantes, certamente foi o dia mais emocionante de minha vida. Acredito que assim tenha sido na vida deles também! Fiquei impressionada com a doçura e carinho com os quais foi tratado esse evento: lá estavam os escoteiros, o trabalho impecável do Gerson (agente de trânsito) que cuidava com amor daquelas quase 50 pessoas pedalando, em toda esquina que parávamos. Não posso me esquecer dos bombeiros, a todo momento fazendo nossa segurança, da Secretária da Educação Ana Paula que tinha lágrimas nos olhos cada vez que chegava uma criança com 1kg de alimento nas mãos e perguntava: onde eu posso deixar o alimento e fazer a minha inscrição? Aquelas quase 50 pessoas iam participar pela primeira vez do Dia Mundial sem Carro, elas estavam eufóricas, felizes, elas pareciam não acreditar que aquilo estava acontecendo na cidade delas…E eu, paulista de 38 anos, jamais imaginei que iria poder vivenciar esse momento único na minha vida” – Vanessa Bressane.
Nosso mais profundo agradecimento e estima à Secretária de Educação do Município, Sra. Ana Paula Bennemann, incansável e pró-ativa; ao Sr. Secretário de Turismo, Rafael Costa, pela compreensão e apoio essencial; ao generoso Gerson, Agente de Trânsito, que foi o guardião da vida de dezenas de pessoas naquela tarde; ao Corpo de Bombeiros, que mais uma vez provou que é uma das instituições mais amigas da comunidade; ao inteligentíssimo comunicador Cunha, da Rádio Comunidade, que realizou conosco uma das mais emocionantes entrevistas dos últimos tempos; às ciclistas e formadoras de opinião vindas de São Paulo, Vanessa Bressane (que foi o rosto e o sorriso emblemático deste evento) e Andrea Pedrosa (que se contorceu por mais de uma hora para garantir a transmissão do evento ao vivo, para o mundo, pelas mídias sociais), as quais contribuíram com sua ajuda e presença inestimável.
Enfim, nosso muito obrigado à oportunidade dada e à confiança de uma comunidade que ainda será uma das referências estaduais de ciclo-mobilidade.
São Chico está no mundo e à frente de milhares de cidades muito maiores que ela quando o assunto é mobilidade urbana e cicloturismo.
Alguém duvida? Pergunte às crianças!