Dias atrás, tivemos mais uma prova da solidariedade do povo da cidade de Cambará do Sul – RS. E, não é que precisássemos de provas, mas elas acabaram por ressurgir diante de um tremendo infortúnio.
Um casal de cicloturistas colombianos (Sebastian Rosero Cespedes e Paula Andrea López – Kumanbike) recebeu a hospitalidade de um morador de Cambará do Sul (Alexandre Paraíba), e enquanto davam uma caminhada para reconhecer a redondeza, houve um incêndio e o fogo destruiu a residência e todas as coisas dos cicloturistas. Mas, esta história é baseada em esperança, amizade e amor ao ser humano.
Ninguém melhor para contar esta história do que seus personagens. A bicicleta e os corações abertos a quem precisa foram os catalisadores que uniram um casal de cicloviajantes, uma proprietária de pousada, um paraibano residente em Cambará do Sul, um outro cicloturista colombiano que foi adotado pela cidade, suas famílias, amigos e, até nós mesmos.
Kelly Regina Castan da Fonseca
Natural de São Paulo. Reside em Cambará do Sul há 4 anos, onde é proprietária da Pousada Bela Vista.
Quando o casal colombiano, Sebastian e Paula, chegaram em Cambará perguntaram ao Padre onde poderiam armar sua barracas durante seu percurso pelos entornos da cidade.
O Padre disse que viessem até nossa pousada, uma vez que já havia um Colombiano cicloturista por aqui. Permitimos que eles acampassem e fornecemos banho e alimentação conosco. Então, era um dos jogos do Brasil e abrimos nosso galpão para quem quisesse assistir aqui na pousada. Um amigo nosso, Alexandre “Paraiba”, ao vir assistir o jogo, veio me solicitar aulas de Espanhol. Me dispus a lecionar para ele, porém, apresentei-o ao casal de Colombianos para que pudessem conversar. Combinaram de irem à casa do Alexandre passar uns dias a fim de visitar o Cânion e o Arton foi junto. De lá, seguiriam viagem. Se despediram de nós e foram para lá.
O Alexandre nos contou que eles conversaram e jogaram cartas. Na manhã seguinte, o Alexandre veio até a cidade para comprar carne e fazer um carreteiro para eles.
Todos almoçaram e, como da propriedade do Alexandre é possível verificar a visibilidade do Cânion Fortaleza que estava com muita névoa, decidiram ir caminhar pela propriedade. Deixaram dentro da casa do Alexandre, muito bem guardados, seus bens mais preciosos, sua bikes com seus documentos, celulares, roupas, barracas e todos os utensílios de viagem.
Alexandre Moreira (conhecido como Alexandre Paraíba)
Natural de Campina Grande – PB, reside em Cambará do Sul há 4 anos.
Conheci o casal Sebastian e Paula na Pousada Bela Vista, da amiga Kelly, assistindo um jogo de futebol. Kelly me informou que o casal já estava há 1 ano e oito meses na estrada. Então, me propus a dar-lhes pouso em minha casa, que fica perto do Cânion da Fortaleza. Saímos de minha cabana para dar uma caminhada durante uma hora e no retorno, avistamos uma fumaça, que pensávamos ser névoa, a princípio.
Depois, ouvimos estouros, que também parecem ser tiros de caça de javalis. Imediatamente, saímos correndo, mas, o incêndio já havia tomado toda a cabana. Ao nos depararmos com as chamas, não havia nada que fosse possível para resgatar qualquer coisa.
Após o fato, fomos levados para a cidade por turistas e acolhidos na Pousada Bela Vista, sob cuidados da Kelly, seus familiares e funcionários. Um pouco antes disto, os bombeiros voluntários foram fazer o rescaldo no que sobrou da cabana. No dia seguinte, os moradores da cidade fizeram um grupo no WhatsApp com mais de 200 mensagens de apoio e ajuda.
Não peço nada para mim, apenas agradeço pela ajuda que está vindo de todas as partes.
Ação entre amigos e desconhecidos
Sebastian, Paula e Alexandre foram recebidos inicialmente pelo Wilson Fonseca, esposo da Kelly, e sua pequena filha, a simpática Manu, que se tornou amiga do casal, imediatamente. Havia muita comoção com o ocorrido, atingindo a todos. Porém, diante do que se passou, os danos e perdas foram estritamente de ordem material. A pequena Manu, inclusive, abraçou a Paula e a confortou dizendo que iria passar e que tudo ficaria bem. Não havia como não chorar e todos estavam inconsoláveis.
Em pouco tempo, toda a família e amigos de Kelly se agilizaram para conseguir itens de primeira necessidade e roupas quentes, já que nem mesmo calçados nos pés eles tinham, justamente em uma das regiões mais frias do estado do Rio Grande do Sul. Aos poucos, foram surgindo pantufas da Manu nos pés da Paula; agasalhos do Enrico, filho de 16 anos da Kelly e do Wilson, encheram duas malas.
Kelly preparou uma rica sopa e abriu uma garrafa de vinho, a fim de permitir que Alexandre, Sebastian e Paula pudessem falar o quanto quisessem sobre o acontecido até se sentirem melhores. Ficaram abrigados em um dos chalés da pousada. Nos dias que se seguiram, começaram a reagir olhando o ocorrido desde outros pontos de vista.
Disseram que estavam se sentindo mal por não ajudar, e então, passaram a ajudar com as arrumações dos chalés, louça, etc. Neste tempo fizeram parte da família e da rotina da pousada. Comiam juntos e ajudavam em tudo.
Dona Suely, de 82 anos, sogra da Kelly, viu que no mercado havia uma campanha de agasalho e os acompanhou até lá a fim de que escolhessem alguma roupa. O Wilson tentou com os caminhoneiros locais uma carona até São Paulo, onde eles tem amigos na USP que poderiam ajudar, porém não deu certo.
Não desistindo, foi até a Assistência Social do município, onde a Assistente Social Loiva conseguiu, junto a uns amigos, o valor para as passagens da cidade de Sombrio – SC até São Paulo – Capital.
Mais tarde, o pessoal do Kanto Kente, da Casa da Vó Maria no Cânion Itaimbézinho foram até a Pousada Bela Vista levar uma ajuda em dinheiro para o casal de cicloturistas, uns chocolates e camisetas de Cambará do Sul.
Despedida com reencontro marcado
O Alexandre voltou até a Pousada para reencontrar Sebastian e Paula. Kelly nos conta que “foi muito emocionante o reencontro deles. Dava para ver que aquele momento triste havia criado um vínculo para a vida toda, soube que continuam em contato.
Todas as tardes durante o tempo em que estiveram aqui, minha filha chegava da escola perguntando – onde estão os colombianos? Foi uma despedida emocionada entre eles, seu conterrâneo Arton, seu amigo Alexandre Paraiba, meu esposo Wilson Fonseca, minha filha Manuela e os funcionários daqui“.
Nem as chamas anulam sonhos
Um dos membros de nossa equipe esteve pessoalmente no local do incêndio, conversando com o próprio Alexandre e, posteriormente com a Kelly. Esta foi a maneira pela qual tomamos conhecimento dos fatos.
Posteriormente, entramos em contato online com Sebastian e Paula nestes dias. Eles já se encontram novamente na Colômbia, reconstruindo seu sonho de seguir pedalando. Uma de suas frases, nos chamou demais a atenção: “Afortunadamente, os sonhos são feitos de um material resistente aos incêndios…os sonhos são feitos de Amor“.
O mesmo foi percebido quando nossa equipe contatou pessoalmente à Kelly. Ela, prontamente, fez questão de reafirmar sua postura solidária e nos contou sobre como o seu empreendimento de hotelaria se converteu na família que Sebastian e Paula, e sem dúvida nenhuma, o Alexandre, precisavam naquele momento.
O Alexandre Moreira (Paraíba), por sua vez, conversou com um dos membros de nossa equipe no local e em nenhum momento pediu coisa alguma para si ou reclamou da terrível situação. Ele abriu a casa, o coração e a vida a estranhos que se tornaram parte de sua família. Revolta? Indignação? Não. Alexandre apenas agradeceu, agradeceu e agradeceu. Ao final de nossa conversa pelo telefone, ele reafirmou que irá reconstruir de alguma maneira sua cabana e irá continuar acolhendo futuros cicloturistas que passarem por Cambará do Sul.
Isto é coisa de gente que tem um coração forte e muito grande. Pessoas assim são feitas de uma natureza que nem mesmo o fogo pode destruir.
Telefone: 54 3251-1841
Observação: quem quiser, de alguma forma, colaborar com o Alexandre Moreira, entre em contato pelo número 51 98167 1003. Ele não pediu nada. Nós é que estamos tentando retribuir o que ele fez pelo casal de cicloturistas. Quem sabe, você também possa.
