Pedalar para ser livre

Ela pedala para ser livre. E exerce tal liberdade conquistando trilhas, montanhas, rumos adentro de um país por descobrir-se.

Nossa querida Rayanne Telles, mineirinha como as flores do cerrado, é simples, doce, forte e tem o dom de encantar. Quem já teve a oportunidade de pedalar com ela ou, simplesmente, ter um “dedin de prosa” com essa moça cicloturista fica tomado por uma alegria genuína de quem faz o que ama.

Ela diz que sua raíz é ser livre, porque começou a pedalar para juntar os seus pedaços, aos 22 anos de idade. Quer conhecer um pouco melhor este exemplo de ser humano sobre rodas?

Acompanhe o texto que a Rayanne enviou para o Ciclotur Experience com toda a sua generosidade:

Sempre brinco que a bike nos faz encontrar pessoas quebradas, não estou falando de ossos quebrados, mas de “corações partidos”, pessoas que buscam a bike como refúgio e como reforço. Comecei com pequenos passeios, treinos e trilhas. Eu ansiava por novos lugares, e quando menos esperava, a primeira cicloviagem me convidou“.

Rayanne Telles nas Serras Catarinenses. Foto: Rayanne Telles

Isso mesmo, gente, a Ray sempre comenta que são os lugares que a convidam para conhece-los e ela, simplesmente, vai. É uma maneira especial de se sentir convocada a transcender realidades para ser feliz e pedalar para ser livre.

Fiz algumas expedições cicloturísticas pela Estrada Real – Caminho Novo (trechos da ER que vão de Ouro Preto/MG até Petrópolis/RJ) e um belíssimo roteiro na cidade de Diamantina/MG, chamado Trilha Verde da Maria Fumaça, uma antiga ferrovia que entrecortava o município e o conectava a outras pequenas cidades da região. Em cada centímetro percorrido, eu me apaixonava mais pela ideia de usar a bike pra ser turista. Em 2016, portanto, eu decidi ousar um pouco, peguei minha bike, coloquei na sacola e fui viajar. Qual foi o destino que me escolheu desta vez? Jalapão, no Estado do Tocantins!

Lá, mais que lugares únicos e paradisíacos, eu conheci outras pessoas de “raízes pro ar”, assim como eu. Serão sempre referência em minha vida. Quando voltei pra casa, eu já não era mais a mesma pessoa. Independente de religião, nunca perdi a fé em Deus, mas com a bike eu voltei a ter fé no ser humano. Transbordando de amores pela natureza, pelo meu estado e pelo meu país, decidi criar o projeto Flor do Cerrado – conhecer todas as cidades mineiras. Passei a viver de espera, trabalhar e esperar os finais de semana e os feriados para conhecer cachoeiras, cidades e igrejas; trabalhar e esperar as férias para conhecer mais um estado brasileiro”.

Uma Flor do Cerrado no Circuito Vale Europeu Catarinense de Cicloturismo.

E foi assim que, depois de saber que existia a palavra e o conceito de cicloturismo, resolvi me lançar ao desconhecido, eu e meus pensamentos, a fim de realizar minha primeira cicloviagem. Peguei minha bike em Minas Gerais e desembarquei na cidade de Navegantes, Santa Catarina. O coração, que estava na mão, só se acalmou quando vi o funcionário do aeroporto empurrando minha bike, que estava montada. Ele a entregou a mim, em mãos, foi lindo. Parti do aeroporto com minha bike, meus alforges e muita expectativa. Fiz de tudo para realizar o primeiro de muitos sonhos que tinha para essa viagem, o Circuito Vale Europeu Catarinense de Cicloturismo!

Dia 1 – credenciei-me e, na manhã seguinte, comecei a pedalar com um grupo que também fazia o circuito. Era sábado de Carnaval, então eu, aliviada, não pedalaria sozinha naquele dia. Era a primeira vez que pedalava com alforges na bicicleta, na primeira subida vi que essa seria a minha grande dificuldade, o peso da bike.

Dia 2 – parti da cidade de Pomerode, passando pelas cidades de Indaial e Ascurra a fim de alcançar a cidade de Rodeio. Como era feriado, as pousadas estavam bem cheias, então, não segui o cronograma tradicional sugerido pelos idealizadores do percurso. Andei mais e por muito tempo sozinha, aproveitei pouco os atrativos do circuito. Cheguei a Rodeio, onde conheci muita gente legal que carrego comigo no coração e nas redes sociais.

Dia 3 –  foi o mais difícil, pois encontrei as ‘vilãs’ do ciclismo, as subidas! O joelho não aguentou e grande parte do percurso, mais uma vez, fiz sozinha. Dessa vez, senti dores por todo o corpo, mas éramos apenas eu, meus pensamentos e as belas paisagens. Achei engraçado algo que me ocorreu quando parei para almoçar na cidade de Doutor Pedrinho. A dona do restaurante veio me perguntar se eu era a Rayanne, a moça que estava fazendo o Vale Europeu sozinha. Confirmei e ela me disse que o Sr. Raulino, proprietário da pousada onde eu iria me hospedar naquela noite, estava me aguardando e que, quando chegasse à beira do lago, ele me buscaria de barco para ir até a pousada. Cheguei muito cansada, já no final da tarde, pois foi o trecho de subidas mais duras. Porém, fui recebida com muito carinho e cuidado! Lá, conheci mais pessoas legais e que, para minha sorte, também estavam fazendo o percurso de bike.

Dia 4 e último –  umas pessoas ofereceram carona para os meus alforges. Isto aliviou os meus derradeiros 100km. No fim desse último dia, pernoitei em Timbó e, na manhã seguinte, parti para Blumenau”.

Rayane contemplando suas conquistas – Foto: Rayanne Telles

Aproveitei para deixar a bike na revisão, e enquanto isto, dei uma de turista andando com calma na cidade da Cerveja. De Blumenau para Penha, consegui carona para realizar mais um sonho de criança: Beto Carreiro World, um dia inteiro de diversão! E na manhã seguinte, mais pedal, na verdade, o pedal mais encantado que já fiz, com mais de 30km de ciclovia beira mar de Penha, passando por Navegantes, Itajaí até Balneário Camboriú.

Pernoitei nessa cidade, dei umas voltas como turista e peguei um ônibus até Floripa. Lá, tive a recepção calorosa da chuva e de uma amiga de infância que revi depois de muito tempo. Fiquei três dias em Florianópolis, com a intenção de fazer a volta na Ilha da Magia pedalando, mas a chuva, o joelho e o medo do trânsito não me deixaram.

Tive a satisfação de encontrar por primeira vez aquele que seria um de meus grandes amigos, o Therbio Felipe, e aprendi muito durante o pouco tempo que estivemos juntos. Gratidão imensa!” – Nós é que agradecemos!

Flor do Cerrado conquista a Serra do Rio do Rastro

“De Florianópolis, parti para a cidade de Lauro Muller de ônibus, e mais uma vez contei com a gentileza das pessoas que me ajudaram com a bike e os alforges. Reta final e o principal propósito da viagem: subir  pedalando a famosa Serra do Rio do Rastro. As águas de março já fechavam o verão, mas era uma manhã ensolarada, um céu claro de um azul profundo, nunca vou esquecer aquele cenário.
Curvas cinzas maravilhosas cortando aquele paredão verde. Lá em cima, meus olhos ficaram estonteados com os contornos dos cânions. Parti para cidade de Bom Jardim da Serra onde pernoitei e a chuva me ajudaria a escolher o trajeto em direção a Urubici. Na verdade, quem me ajudou a escolher foi a safra da maçã, pois preferi passar por dentro do Parque Nacional de São Joaquim e não pelo asfalto, deixando de disputar com os caminhões por espaço na rodovia sem acostamento.
Foi um dia chuvoso e todo o tempo eu me perguntava o que estava fazendo ali. Cheguei em Urubici, passando por belas florestas de araucárias, mirantes e cascatas, e acabei esquecendo do perrengue. Descansei no hostel por um dia, era sábado e no domingo iria descer e subir a Serra do Corvo Branco e, ainda, subir o Morro da Igreja.

Ganhei carona e novos amigos ciclistas, mas meu joelho, a chuva e o ciclone na cidade vizinha não me deixaram cumprir a programação. Mas, aprendi a lição: respeitar meus limites e o tempo das coisas.
Na segunda-feira eu já estava de passagem comprada para Florianópolis e da janela do hostel vi a lua cheia se pondo de um lado e o sol nascendo do outro, nem havia sinal da chuva e do vendaval do dia anterior. Parti para Florianópolis curti um pouquinho de praia e sol porque eu também merecia.
No final de dezenove dias, 600km pedalados e 1043km percorridos no estado de Santa Catarina, voltei pra casa, e a menos de 100m da minha casa minha bicicleta quebrou. Pendurei minha companheira na parede depois dessa”.

Ray na Estrada Real – MG – Foto: Rayanne Telles

“Pessoas, lugares, fenômenos naturais, cheiros, gostos e gestos durante o cicloturismo me ensinam a ser resiliente, além de ter empatia e dar sentido à minha vida. Aprendo todos os dias a esperar e ansiar mais por momentos do que por posses. Acredito que com o cicloturismo podemos transformar nossa realidade. Descobri em mim uma mulher mais forte, quando estou em cima da bike. E embaixo do meu capacete, ahhh, eu sinto que posso dominar o mundo”! 

Nós acreditamos que pessoas assim transformam, não apenas a sua própria vida, mas a de tanta gente incógnita por traz das mídias sociais.. Queremos, sempre, acompanhar a Ray e participar deste movimento pela liberdade, porque pedalar para ser livre é a sua raiz, e por sorte e escolha, também é a nossa.

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