Esta matéria nos foi enviada por nosso amigo ciclista Andrés Russell, direto de Buenos Aires – Argentina, baseada na entrevista que realizou com o notável Dr. Diego Golombek, abordando sobre as relações entre bicicleta e ciência. Andrés é nosso correspondente em Buenos Aires e já publicamos, anteriormente, uma matéria que nos enviou quando fez cicloturismo pelo nordeste argentino.
Desta vez, Andrés solicitou ao Dr. Golombek esta entrevista e tratou de nos enviar há uns meses atrás.
Explicando, Diego Golombek é Doutor em Biologia, especialista em cronobiologia. Atualmente, é professor na Universidad Nacional de Quilmes, em Buenos Aires e investigador principal do CONICET (Conselho Nacional de Investigações Cientificas e Técnicas), na Argentina. O Dr. Golombek é autor de mais de cem trabalhos de investigação cientifica em revistas internacionais, e investigador convidado por universidades do mundo todo. Apresentou vários programas televisivos como ‘Projeto G’, ‘Desde a Ciência’ e ‘O cérebro e eu’. Além disso, é diretor da coleção de livros “Ciência que ladra” (ciência que late) da Editoria Siglo XXI. É autor de muitos livros, entre eles: ““O novo cozinheiro científico”; “Sexo, drogas e biologia (e um pouco de rock and roll)”; “Os neurônios de Deus”; “Neurociências para Presidentes” e seu último livro ano 2018, chamado “A Ciência na sala de aula”, recebeu relevantes prêmios nacionais e internacionais.
Andrés se dedicou a entrevistar o Dr. Golombek e, desde já, agradecemos a ambos pela humildade e generosidade do envio deste material que, em muito, servirá para nossas reflexões sobre bicicleta e ciência. A ideia inicial de Andrés era, justamente, traçar alguns paralelos entre o tempo, o cérebro humano, a bicicleta e a ciência. Então, vamos à entrevista?
Andrés: Partindo do básico, Dr. Diego, como percebemos o tempo? Há um relógio biológico em nosso corpo, realmente? Isto se dá pelos fatores externos como a luz, por exemplo? Ou, se não canta o galo, estamos definitivamente perdidos (risos)?
Dr. Golombek: Todos nós temos um relógio (figurativamente) no cérebro, que mede o tempo e diz ao corpo que horas são. Em realidade, são vários relógios: entre outros, um mede o tempo dos dias (circadiano), e se sincroniza pela luz; outro, mede a percepção da passagem do tempo, dos segundos aos minutos. Estes relógios são endógenos (internos ao organismo, ao corpo), mas precisam “se pôr em hora” alinhando com o mundo – fatores externos como a luz, o galo, etc. – para estar verdadeiramente sincronizados e, então, ter um significado adaptativo para o ser humano.
Andrés: E o que acontece quando vamos andando de bicicleta? A velocidade, mais lenta ou mais rápida na pedalada, influi em como registramos o tempo?
Dr. Golombek: A passagem do tempo é influenciada por muitos fatores, entre tantos outros, o emocional. Dependendo de como o estamos passando (na sala de espera do dentista, falando com alguém que nos resulta muito atraente, etc.), a velocidade subjetiva do tempo pode ser percebida muito diferentemente. Também, existe uma troca ou interrelação com o estado metabólico: quando praticamos um exercício, o tempo interno se acelera (acrescentam-se a temperatura e a frequência cardíaca) e isso pode fazer que o tempo “de fora” pareça mais longo, como se pudéssemos esticá-lo e aproveitá-lo mais. Quiçá isso aconteça quando estamos indo de bicicleta e, obviamente, possamos disfrutá-lo.
Andrés: Abrimos a porta, agora, a um aliado da bicicleta, o Equilíbrio. Que acontece quando fechamos os olhos por alguns segundos enquanto pedalamos? Por quê nos parece que vamos reto e geralmente nos desviamos? Neste caso, o equilíbrio é um fenômeno, majoritariamente visual ou de quê depende?
Dr. Golombek: O equilíbrio é um sentido complexo que depende de muitos fatores: o fator visual, a posição de certas estruturas no ouvido interno, a resposta dos receptores da planta do pé… Se alguns desses atores se altera (pelo exemplo, fechando os olhos), então, o equilíbrio se vê afetado.
Andrés: Que partes do cérebro se ativam quando pedalamos ou em geral quando realizamos atividade física? O que produz o cérebro e nosso corpo para que sintamos prazer, cansaço, entre tantas outras sensações?
Dr. Golombek: No principio, se ativam as áreas motoras, que são as que lhe ordenam ao corpo se pôr em movimento. Mas, também se ativam certos circuitos relacionados, como a sensação de recompensa e de prazer, e se liberam endorfinas (substâncias opióides que produz o cérebro), as quais ajudam a que desfrutemos da atividade física – sobretudo, quando temos certo treinamento.
Andrés: Diz-se que o cérebro vive no passado, mas prediz um pouco o futuro, para nos criar um presente. É assim mesmo? Todo esse trabalho ele realiza só com suas poucas e aproximadas 1300 gramas de peso?
Dr. Golombek: Sim! É, seguramente, o objeto mais complexo do universo, e um dos grandes mistérios a se resolver pela ciência. Entre outras coisas, o cérebro é uma verdadeira máquina do tempo.
Andrés: Falando do tempo passado, presente e futuro e sua relação com o espaço: existem culturas, como os Aimará que, ao contrário da nossa, associam o “adiante” com o passado, e o futuro com o “atrás”. As culturas se condicionam ao cérebro ou o cérebro se condiciona às culturas?
Dr. Golombek: Suponho que as duas coisas. A cultura é fundamental para simbolizar nossas crenças e nossos preceitos, incluindo conceitos relacionados à noção do tempo. E é muito possível que essas influências culturais também operem sobre nosso cérebro, modificando os “bate-papos” entre os neurônios.
Andrés: À maioria dos ciclistas já aconteceu, alguma vez, que um cachorro corra e nos persiga desejoso em degustar nossos tornozelos, nos provocando acelerar a marcha, fortes palpitações, suor excessivo e sim… medo! A pergunta é: Primeiro, sentimos e depois, acionamos, ou ao contrário, como se dão sentimento e reatividade?
Dr. Golombek: Um pouco das duas. O intuitivo é que primeiro sintamos algo (medo, alegria, etc.) e logo, o corpo responda. Porém, há muitos experimentos que afirmam o contrário: que primeiro se ativa o corpo, quase de forma inconsciente (mudamos a expressão do rosto, a frequência cardíaca, a sudação, a sensação de adrenalina na barriga) e depois – um depois muito mais que breve – o cérebro interpreta isso como uma emoção e a explica conscientemente.
Andrés: Viajando de bicicleta para um lugar que não conhecemos, e depois retornando pelo mesmo caminho e com a mesma velocidade: Porque a volta nos parece de menor duração? Que outros enganos nos traz o cérebro?
Dr. Golombek: Embora não nos demos conta, permanentemente, vamos incorporando sinais do ambiente. Se estes sinais são novos ou desconhecidos, se vão processando de maneira sequencial, e essa novidade contínua faz com que percebamos o tempo como mais longo. No regresso, já conhecemos ou lembramos muitos desses sinais, e podemos até ir predizendo sua aparição, o que dá a sensação de um trajeto mais curto.
Andrés: Diz-se que no cérebro, desde que nascemos, temos um “compartimento” para a Fé, para a crença no místico, no desconhecido. Que descobriu a ciência sobre isto?
Dr. Golombek: Como todo aspecto humano, há dois componentes em nosso comportamento: o inato e o cultural. No caso da religião, é obvia a influência social e cultural, porém, há algumas evidencias que sugerem que esta cultura é baseada numa propensão inata a crer no sobrenatural, como se isso houvera sido selecionada ao longo da evolução.
Andrés: E para finalizar, se há milhares de incertezas com o tempo e com nosso cérebro; se há ainda centenas de enfermidades, hábitos e diversos problemas da natureza e da humanidade que a ciência pode estudar, entender, explicar e evoluir: que lindo deve ser pedalar com ela todos os dias e ter a satisfação de ir descobrindo os mistérios desses novos caminhos, não é? Como o sente um cientista como você? Como é a atualidade da ciência em geral? Que acontece com a ciência nas escolas? E você que gostaria e desejaria para o futuro?
Dr. Golombek: Sem dúvida, pedalar é uma grande forma de pensar, de se deixar levar e que apareçam novas ideias e soluções. A ciência é um olhar racional sobre o mundo e, junto com a aliada tecnologia, permanentemente avança em busca de novas perguntas. As respostas são sempre parciais, abrem a porta às novas perguntas. É, seguramente, a ferramenta mais poderosa que havemos inventado. Como esta curiosidade é inata, também é preciso que hajam apoios e incentivos à ciência desde criança, e isto se refere à educação; assim, a ciência deverá ingressar na escola lado a lado das perguntas idealmente relevantes e interessantes para os alunos. Este é o caminho.